Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica (INCITO),
do A.C. Camargo Cancer Center, identificaram um conjunto de genes que
servem de biomarcadores para o diagnóstico da forma mais prevalente de
câncer tireoidiano.
A descoberta possibilitou a criação de um método preciso, barato e
rápido para identificar o carcinoma papilífero de tireoide, para o qual
já foi solicitada a patente.
Os resultados do estudo, realizado durante o doutorado de Mateus de Camargo Barros Filho, foram divulgados no The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.
A pesquisa foi orientada por Luiz Paulo Kowalski, coordenador do
INCITO – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
apoiados pela FAPESP em São Paulo. Silvia Rogatto, membro do INCT e
professora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) em Botucatu, foi coorientadora do projeto.
“A biópsia pela punção aspirativa por agulha fina é hoje o principal
método para determinar se um nódulo tireoidiano é benigno ou maligno.
Mas em torno de 20% dos casos o resultado é indeterminado e, por
precaução, o paciente é submetido à cirurgia para retirada da glândula.
Análises posteriores, no entanto, revelam que em 60% dos pacientes com
diagnóstico indeterminado a cirurgia seria desnecessária”, contou
Rogatto.
Embora seja possível fazer a reposição artificial dos hormônios
produzidos pela tireoide, comentou Rogatto, a retirada cirúrgica da
glândula costuma trazer efeitos adversos e requer tratamento para o
resto da vida. “Em alguns casos, a paratireoide deixa de funcionar e o
paciente torna-se dependente de suplemento de cálcio. Ocorre um
descontrole na absorção de fósforo, magnésio e outros minerais
importantes para o organismo”, disse.
Segundo o banco de dados Surveillance, Epidemiology and End Results
(SEER), do National Cancer Institute (Estados Unidos), a incidência do
câncer de tireoide triplicou nos últimos 35 anos. No Brasil, o Instituto
Nacional do Câncer (Inca) estimou 9.200 casos novos em 2014, sendo
8.050 em mulheres.
Estudos brasileiros indicam que a cidade de São Paulo apresenta uma
das maiores taxas, com um aumento de incidência ainda superior ao dos
Estados Unidos. Entre as causas apontadas estão a melhora no
diagnóstico, graças ao exame de ultrassonografia com punção por agulha
fina.
“Esse aumento na incidência de câncer tireoidiano é quase
exclusivamente atribuído ao carcinoma papilífero de tireoide (CTP), que é
o subtipo mais frequente. Embora esse tumor tenha, de maneira geral, um
bom prognóstico, representa um problema de saúde pública por ser muito
comum e requerer procedimentos cirúrgicos”, comentou Rogatto.
A busca por biomarcadores
Com o intuito de aumentar a precisão diagnóstica e reduzir o número
de cirurgias desnecessárias, o grupo do INCITO iniciou em 2011 uma busca
por marcadores moleculares que ajudassem a diferenciar as lesões
benignas das malignas.
O estudo foi feito com amostras de tecido tireoidiano extraídas
cirurgicamente de mais de 350 pacientes – armazenadas no biobanco do
A.C. Camargo Cancer Center. Foram incluídas tanto amostras com
diagnóstico de câncer e lesão benigna confirmada histopatologicamente
quanto amostras não neoplásicas. Nesta casuística também se encontravam
os casos indeterminados.
Por um método conhecido como microarray, os pesquisadores analisaram a expressão de transcritos codificadores de proteína, os RNAs mensageiros.
“Inicialmente fizemos estudos com amostras pareadas, isto é,
comparando o perfil de expressão do tecido normal e tumoral de um mesmo
indivíduo. Depois comparamos várias amostras de tecidos normais com
várias amostras de tumores, não pareadas. Por último comparamos o perfil
final das análises feitas com amostras pareadas e não pareadas e
encontramos enorme concordância dos resultados”, contou Rogatto.
Em seguida, foi feita a validação dos biomarcadores em um grupo
diferente de amostras (138 pares de carcinoma papilífero e tecido não
neoplásico adjacente) de tecido tireoidiano com bancos de dados
externos, armazenadas no banco do The Cancer Genome Atlas (TCGA),
consórcio ligado ao National Cancer Institute que reúne dados genômicos
e clínicos de pacientes de diversos países, e do Gene Expression
Omnibus (GEO).
“Observamos uma identidade muito grande, mostrando que nossos achados
têm validação externa e não são específicos da população brasileira”,
disse Rogatto.
Com o auxílio de ferramentas estatísticas, os pesquisadores
selecionaram uma lista de genes que permitisse diferenciar nódulos
benignos e malignos. As primeiras validações foram feitas por meio de
simulações computacionais, até chegar a um grupo de cinco genes que
apresentaram alta seletividade e especificidade para identificar o
carcinoma papilífero de tireoide.
“Três desses genes estão diferencialmente expressos no tumor e os outros dois servem como referência”, explicou a pesquisadora.
Foi desenvolvido um método para avaliar a expressão desses cinco
genes-alvo por meio de um ensaio baseado na PCR (reação da cadeia da
polimerase) em tempo real – patenteado pelo grupo do INCITO. Segundo
Rogatto, a análise também permite identificar os pacientes com maior
risco de comprometimento dos linfonodos cervicais e que, portanto,
necessitam de uma cirurgia mais agressiva.
“É possível fazer o ensaio com uma pequena amostra de tecido, com
baixo custo. Acreditamos que seria viável desenvolver um kit diagnóstico
muito útil para a prática clínica”, disse Rogatto.
Antes, porém, o grupo pretende validar o método com tecido
tireoidiano obtido por meio de biópsia. “Estamos aguardando autorização
do Comitê de Ética da nossa instituição para testar a metodologia em
restos de tecido que sobram após o exame citológico feito após a
biópsia”, contou.
Paralelamente, o grupo do INCITO trabalha na validação de outros
biomarcadores que permitam diferenciar o carcinoma papilífero de outros
subtipos de câncer tireoidiano menos frequentes e mais agressivos, como o
carcinoma folicular e o carcinoma anaplásico
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