domingo, 20 de julho de 2014

Redução do estômago pode controlar diabetes tipo 2

http://mixdetemas.com.br/wp-content/gallery/diabetes/diabetes-11.jpg
Uma nova polêmica nasce entre os profissionais de saúde a respeito do controle do diabetes tipo 2. Trata-se de uma recomendação feita nesta semana pelo National Institute for Health and Care Excellence (Nice), do Reino Unido, que sugere a cirurgia bariátrica como opção para o controle desse tipo de diabetes, em portadores de índices de massa corpórea (IMC) acima de 30.

Até então, a cirurgia era recomendada apessoas com IMC acima de 35 e com duas ou mais doenças associadas - hipertensão e diabetes, por exemplo. Diversos estudos já têm confirmado a cirurgia bariátrica/ metabólica como alternativa para o controle da doença, além da perda de peso. Uma pesquisa divulgada na revista científica brasileira Diabetes Care mostra pacientes que vêm sendo acompanhados há seis anos que estão com a diabetes controlada depois de terem sido submetidos à cirurgia.

Esses pacientes tinham o IMC entre 30 e 35. O órgão britânico é o primeiro a sugerir a redução destes parâmetros, de maneira oficial. Algo que médicos endocrinologistas consideram arriscado. Por outro lado, o cirurgião geral Roberto Luiz Kaiser Júnior, de Rio Preto, observa que, embora no Brasil o critério adotado hoje para a cirurgia seja o de ter IMC maior que 35, com algumas doenças associadas, nos Estados Unidos já se realiza a cirurgia em portadores do diabetes tipo 2 com IMC entre 30 e 35, desde 2011.
“Porém, só é permitido realizar a cirurgia de banda gástrica ajustável”, diz.

Divergências

Para o professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), o endocrinologista Antonio Carlos Pires, diretor na Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), quando se parte para um procedimento cirúrgico em pessoas com índices de massa corpórea menor do que 30, corre-se o risco da banalização de indicação cirúrgica. “De nada adianta reduzirmos a resistência à insulina com a redução de peso se não tiver produção de insulina.

Até porque a melhora do paciente não é considerada cura, e sim, remissão, uma vez que o diabetes é uma doença de falência progressiva das células Beta”, diz. Com ele concorda a endocrinologista Lucia Helena B. Tacito, também professora da Famerp. “Se considerarmos que o paciente muitas vezes continuará fazendo uso de medicações, e que a remissão da doença possa ser apenas, em alguns casos, temporária, além dos possíveis efeitos deletérios de tal procedimento, como o estado de desnutrição crônica por má absorção de macro e micronutrientes, essa indicação deve ser muito bem pensada”, diz.

Porém, um outro estudo, publicado pelo Journal of the American Medical Association (Jama), reforça as evidências de que o procedimento é eficaz no tratamento do diabetes tipo 2, mesmo a longo prazo. Segundo a pesquisa, a cirurgia aumenta a chance de regressão do diabetes e diminui as complicações da doença quando comparada ao tratamento com medicamentos.

Otimismo

O especialista Ricardo Cohen, diretor do Centro de Obesidade, Diabetes e Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, e coordenador de estudo realizado no Brasil, afirma que estamos entrando em uma nova era para as cirurgias bariátricas/ metabólicas, uma vez que o objetivo da cirurgia passa a ser tratar as comorbidades associadas e não apenas a obesidade.

“Esse tipo de procedimento é capaz de melhorar ou eliminar condições como diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e apneia obstrutiva. A cirurgia não apenas limita a quantidade de comida que o estômago consegue receber ou a quantidade de calorias absorvidas, como também induz a resposta metabólica de alguns receptores presentes no trato gastrointestinal”, explica.
    
Substâncias sob controle 
O cirurgião geral Roberto Kaiser Jr. explica que a melhor técnica para operar o paciente diabético é chamada Bypass Gástrico, também conhecida como cirurgia de redução do estômago. “Nessa cirurgia, o alimento sai de um estômago reduzido e pula o início do intestino fino, caindo mais adiante após o local produtor das incretinas (substâncias produzidas pelo pâncreas e pelos intestinos e que regulam o metabolismo da glicose, inclusive a insulina).”

Continua o cirurgião: “Existe também uma técnica nova, chamada de ‘Sleeve’, em que se realiza somente a redução do tamanho do estômago, sem mexer no intestino. O estômago fica do formato de uma banana e, comendo menos, o paciente sente saciedade mais precoce. Por ser uma técnica nova, mais estudos são necessários para saber melhor qual o papel dessa técnica no controle do nível de glicemia a longo prazo”, afirma.

Kaiser Jr. explica que, de fato, há alguns anos, pensava-se que a normalização de doenças como diabetes tipo 2 e a pressão alta ocorriam devido à perda de peso. Hoje já se sabe que isso acontece pelo efeito metabólico que a cirurgia causa no organismo. “Após a cirurgia, ocorre a diminuição das incretinas e o pâncreas fica liberado para produzir insulina. Quando realizamos o procedimento em pessoas que têm menos de 10 anos de diabetes, a chance do pâncreas voltar a produzir insulina é muito grande.

Normalmente, o paciente fica sem uso de medicamentos, inclusive a insulina. Se a cirurgia é realizada em pacientes com mais de 10 anos de diabetes, corre o risco de, após a liberação, o pâncreas não ter uma boa quantidade de células (Beta) boas para produzir insulina, e o paciente necessitar também uma pequena quantidade de medicamento via oral (sem o uso da insulina). Já existem pacientes em acompanhamento por mais de 30 anos. E é impressionante os resultados encontrados neles”, diz.


Vidas renovadas

A dona de casa Sílvia Maria Cardoso, de 51 anos, aposentada por invalidez devido às diversas alterações em sua saúde, diz que ganhou muito mais de dez anos de vida com a cirurgia. “Nasci de novo. Em outubro, fará quatro anos que fui operada. E me sinto ótima. Tomava 33 comprimidos por dia, hoje uso apenas três. Aplicava 100 unidades de insulina, hoje aplico apenas 10”, comemora Sílvia. “ O meu peso não era tanto o problema, perdi em média dez quilos. Mas meu colesterol variava entre 600 e 800, agora ele não passa de 130.

Meu triglicérides era de 1250, hoje é 152. A minha hemoglobina glicada (média de três meses do índice glicêmico) está 5.3, era 12. E mesmo quando ficava internada com dieta zero meus índices eram altíssimos. Sou safenada, vivia internada todo mês, com diversas alterações. Inclusive, foi minha cardiologista quem indicou a cirurgia, e só posso agradecer por isso”, comemora. Outro que também só tem a comemorar após um ano de cirurgia é o advogado Ricardo Molina, de 41 anos, que diz ter deixado de ser hipertenso após emagrecer 44 quilos e mudar seu estilo de vida radicalmente.

“Tomava seis remédios para pressão alta, triglicérides e ácido úrico. Vivia com crises de gota, já estava pré-diabético. Hoje, não faço mais uso de medicamento algum. Emagrecia, mas o peso voltava o dobro. A cirurgia foi a solução. Tenho certeza de que o fato de seguir à risca as recomendações dos profissionais da clínica foi o diferencial para alcançar o objetivo. Tenho disposição nova, guarda-roupa e bicicleta. Tudo ficou melhor”, diz.


Saiba Mais

:: Um paciente com diabetes descontrolado não tem indicação para nenhum tipo de cirurgia, a menos que seja de urgência. Os riscos de uma cirurgia bariátrica, quando bem indicada, são baixíssimos. Os benefícios são mais evidentes

:: A principal vantagem da cirurgia bariátrica é a redução de peso. Além disso, numa fase bem precoce após a cirurgia ocorrem alterações com hormônios intestinais, denominados de incretinas, que promovem a queda da glicose sanguínea em poucos dias

:: A cirurgia bariátrica não tem contraindicação específica. Mas é importante lembrar que só está indicada nos casos de obesidade mórbida

:: Em diabéticos com alguma reserva de células Beta, a cirurgia bariátrica só está indicada depois de se tentar os tratamentos clínicos disponíveis. Nos diabéticos com obesidade mórbida, os resultados terapêuticos são excelentes

:: Quanto à indicação com o índice de massa corpórea abaixo de 30, é muito discutível no meio científico, uma vez que esses pacientes respondem bem com o tratamento medicamentoso e mudanças de hábitos de vida

:: Não se pode esquecer que o diabetes cursa com falência progressiva de células Beta, portanto, a cirurgia mais precoce de nada adiantaria devido à falência futura, ou seja, anos após a cirurgia o diabetes pode voltar. Por isso, não é chamado cura, e sim, remissão

Fonte: Antonio Carlos Pires, endocrinologista, diretor da SBD e professor da Famerp

Nenhum comentário:

Postar um comentário