Na
abordagem deste tema, coloco-me na condição de médico e de paciente
octogenário portador do distúrbio. Por comodidade e/ou negligência, não
me conscientizei suficientemente sobre os graves malefícios da chamada
“Apneia Noturna do Sono” e quanto à necessidade de seu adequado
tratamento. A vivência pessoal do problema, aliada às experiências
profissionais como clínico do Banco do Brasil, por mais de vinte anos, e
profissional integrante da equipe “PSF” em João Pessoa-Pb, por quase
cinco, ditaram-me a necessidade e o dever de proceder a uma revisão da
literatura médica sobre o assunto, dada a sua relevância como grave
problema de saúde pública.
Trata-se de uma condição clínica de prevalência alarmante e frequente,
pois incide sobre 1 a 5% dos homens adultos e 1.2 a 2.5% das mulheres,
mas alcança cerca de 10% da população acima de 65 anos (9% das mulheres e
24% dos homens). Mas, até as crianças, em percentuais de 1% a 3%, podem
apresentar sintomas da patologia. Levantamento feito em São Paulo
constatou que 36,8% da população geral apresentavam sintomas do
transtorno, e que 26% dos motoristas de caminhão tinham alto risco de
apneia do sono, admitindo já terem cochilado ao volante.
A “SAHOS” se caracteriza, sobretudo, pela ocorrência de episódios
recorrentes de obstrução total ou parcial das vias aéreas superiores, de
que resultam a interrupção do fluxo oronasal do ar e o surgimento de
pausas respiratórias chamadas de apneias (falta de respiração) e/ou
hipopneias (quase apneia), com duração de dez segundos ou mais, durante o
sono noturno.
A
enfermidade é multifatorial e tem como causas a interação de fatores
anatômicos ou funcionais individuais que possam comprometer a livre
passagem do ar pela garganta durante a respiração.
Seus
fatores de risco são a idade avançada, o gênero (sexo masculino), a
obesidade, maior estreitamento da garganta; macroglossia (língua grande,
como ocorre na síndrome de Down), amídalas e adenoides hipertrofiadas,
palato reduzido e tumores; hipotonias musculares da faringe; queixo
pequeno, grande circunferência do pescoço (normais: homem, 42,5cm e
mulher 37,6 cm) e deformidades craniofaciais evidentes, de origem
genética.
Os
sintomas e sinais mais comuns que acompanham a síndrome são a
sonolência diurna excessiva; roncos ruidosos, paradas repetitivas da
respiração durante o sono (percebidas pelo cônjuge ou familiares);
despertares noturnos frequentes (sono fragmentado); fadiga,
irritabilidade e mau-humor e cefaleia matinal; distúrbios cognitivos,
como dificuldade de memorização, de atenção, de concentração e de
raciocínio; boca seca, espasmos da laringe e vontade de urinar.
Para
livrar-se da apneia, o paciente tem que despertar e, com isso, a
musculatura da garganta retoma a força que a mantinha aberta, até que
volta a fechar-se novamente por novo episodio de apneia. A repetição
dessas pausas respiratórias, por dezenas e centenas de vezes durante a
noite, conforme o caso tem como consequência uma diminuição do aporte de
oxigênio ao sangue, com redução do índice de saturação de oxigênio da
hemoglobina. Simultaneamente, pulsões de adrenalina são lançadas na
circulação, desencadeando uma aceleração dos batimentos cardíacos e uma
elevação da pressão arterial, o que vai predispor o paciente, com o
decorrer do tempo, a doenças cardíacas e vasculares.
Essas
oclusões vão além de noites mal dormidas e inconveniências com o
parceiro de quarto. A mortalidade entre os portadores da síndrome não
tratada é significativamente mais alta entre os que não recebem
tratamento adequado ou entre os que apenas roncam sem experimentar
momentos de pausas respiratórias. Diversos estudos constatam que a
apneia está associada a riscos aumentados de infarto agudo miocárdio,
arritmias cardíacas, bloqueios atrioventriculares, extrassístoles
ventriculares, além de favorecer a irrupção de acidentes vasculares
cerebrais (AVC). Ademais, verifica-se que a apneia do sono pode resultar
em uma maior incidência de acidentes de trânsito (2 a 3 vezes
superiores em relação à população normal) e de trabalho (tendência para
“cochilos” involuntários durante o dia).
O
diagnóstico tem por base a história clínica, o exame físico e a
polissonografia (registro noturno do sono), teste-padrão que deverá ser
feito em laboratório do sono, com supervisão por técnicos habilitados.
O
objetivo do tratamento da síndrome é manter as vias aéreas permeáveis
ao fluxo de ar durante a noite. O procedimento de escolha, nas apneias
moderadas ou severas é a utilização de um pequeno aparelho denominado de
“CPAP” (sigla do inglês “contínuous positive airway pressure”) que vem
conectado a um tubo flexível que, por sua vez, liga-se a uma máscara
nasal ou nasobucal ajustada à face por meio de tiras elásticas. Este
dispositivo gera um fluxo de ar contínuo que exerce uma pressão positiva
sobre os tecidos da garganta, não permitindo que eles entrem em
colapso, e possibilitando, assim, que o ar passe livremente pela
faringe. Na expiração, o gás carbônico exalado é drenado por meio de
aberturas presentes na máscara. Os níveis pressóricos da máscara são
ajustados individualmente, com base no estudo polissonografico. O
aparelho automático dispõe de sensores que regulam automaticamente a
pressão do ar durante a noite. Pressões inadequadas podem aliviar os
sintomas sem diminuir os riscos cardíacos. Empregam-se também outros
dispositivos (próteses orais) em casos especiais.
Cirurgias
de amídalas, de adenóides e de septo nasal, retiradas de pólipos
nasais, correções de palato e de maxilar, entre outras, poderão ser
indicadas, a critério médico, com vistas à remoção de obstáculos
anatômicos existentes nas vias superiores. Recomenda-se o equilíbrio do
peso, em casos de pacientes obesos, e que sejam evitadas posturas do
decúbito dorsal (de barriga para cima) na hora de dormir. Bebidas
alcoólicas, sedativos, cafeinados e exercícios físicos intensos deverão
se evitados à noite.
O
sono repousante é indispensável à manutenção da saúde do corpo, da
mente, do coração, dos pulmões e de outros sistemas orgânicos. Não
tratada, a “SAHOS" revela-se significativamente danosa em relação à
busca de uma vida de boa qualidade, além de ser letal, por si mesma, ou
quando associada a outras patologias.
O
êxito do tratamento dependerá de programa terapêutico elaborado e
acompanhado por uma equipe multidisciplinar que inclui, entre outros
profissionais, o neurologista, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo e
fisioterapeuta, entre outros.
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