Uma sinfonia de roncos seguidos de verdadeiros cortes na respiração. Essa é a apnéia do sono, doença que rege sérios desarranjos no organismo
Diogo Sponchiato
Foto: Nik
A cama aguarda mais uma noite de orquestra e, num piscar de olhos,
começam os roncos nos mais diversos tons. A platéia, seleta, muitas
vezes é composta de uma única pessoa: o companheiro de cama. A
respiração ruidosa, porém, não representa o auge do espetáculo. Ela
precede um bloqueio na passagem do ar inspirado pelo maestro dessa
desafinada orquestra. Na ânsia de recuperar o fôlego, ele tem uma
espécie de engasgo, volta a respirar e, em seguida, engata uma nova
série de sons barulhentos. Brincadeiras à parte, essa ópera que persiste
madrugada adentro é coisa séria e atende pelo nome de apnéia do sono.
O ronco é o mais sonoro sinal da doença. Sete em cada 100 pessoas têm o
distúrbio em grau acentuado e outras 20 em cada 100 o apresentam pelo
menos uma noite ao longo da vida, estima a neurologista Dalva Poyares,
do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. A
apnéia costuma surgir por volta dos 40 anos, sobretudo nos homens, e com
uns quilos a mais. A partir dessa faixa etária, a musculatura da
faringe fica mais flácida, explica o neurologista Rubens Reimão, do
Hospital das Clínicas de São Paulo.
Quando o indivíduo se deita, então, esse tubo se estreita e, com a
ajuda de possíveis amontoados de gordura na região da garganta,
interrompe o caminho do ar. Esse estreitamento provoca uma vibração, o
ronco, seguida de uma parada silenciosa da respiração, descreve o
otorrinolaringologista Lucas Lemes, pesquisador da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. A faringe se fecha por no mínimo dez segundos
e, em casos graves, pode ficar assim por um minuto, completa Reimão.
O regente dos roncos e dos breques na respiração nem percebe o sufoco.
Quem tem apnéia dorme até demais, mas dorme mal porque não respira
direito, sentencia Dalva. É um sono que não repõe as energias. E o pior:
a falta de ar e a inconstante entrada de oxigênio disparam a pressão
arterial. Um fenômeno que, no início, se restringe à madrugada, mas, com
o tempo, ganha o dia e a vida do apnéico.
Quando a pressão já está nas alturas, a apnéia pode torná-la
incontrolável. Ou seja, mais do que predispor ao problema, ela agrava a
situação. Não à toa, novas diretrizes da Associação Americana do Coração
estabeleceram a importância de tratar o distúrbio do sono para eliminar
a hipertensão resistente quadro em que a pressão não cai mesmo quando
se usam três medicamentos. A associação entre os males também foi
flagrada por um trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aliás, esse foi um dos primeiros estudos no mundo a demonstrar que o elo
entre ambas as doenças independe de fatores como idade, sexo ou
obesidade. A apnéia aumenta em cinco vezes o risco de hipertensão
resistente, calcula o pneumologista e especialista em sono Denis
Martinez, um dos autores.
Por isso, enquanto a apnéia não é tratada, a pressão alta também não
cede. Se você acha que o ronco esporádico ou uma apnéia leve não
oferecem riscos, o médico Lucas Lemes, autor do livro Viver sem Roncos
(Editora Revinter), alerta: A apnéia pode evoluir com a idade, ainda
mais se a pessoa engordar. E Martinez completa: Quanto mais grave ela
for, maior seu efeito sobre a pressão.
A parceria entre esse distúrbio do sono e os problemas cardiovasculares
culmina num círculo vicioso um agrava os outros, e vice-versa. Aliás, a
apnéia afeta até o ritmo cardíaco, (veja quadro acima). E, a exemplo da
hipertensão, as arritmias podem perpetuarse quando o indivíduo está
acordado.
Outro problema duro na queda que faz da apnéia uma aliada é o diabete.
Quem vive às voltas com os picos de açúcar no sangue torna-se mais
facilmente apnéico, e o apnéico, por sua vez, está mais suscetível a
desenvolver resistência à insulina, ficando a um passo de se tornar
diabético (volte ao quadro acima). Não à toa, a Federação Internacional
de Diabetes passou a considerar o roncar um dos fatores decisivos para o
desequilíbrio da glicose.
A apnéia do sono é um tremendo ruído para a saúde. Por isso, se os
roncos ou a sonolência diurna ganharem acordes mais intensos, é hora de
procurar um médico e iniciar o tratamento. Só garantindo uma respiração
adequada durante o sono é que se fecha a cortina para um concerto de
problemas que não param de fazer barulho pelo corpo.
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