por Conceição Lemes
Maurício Rocha e Silva, 71 anos, é médico e professor emérito do
Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da USP. Em
fevereiro de 2000, mal começara um relacionamento, sua namorada e atual
esposa, Vera, deu-lhe uma cotovelada no fígado.
“Você ronca feito um serrote e para de respirar durante o sono”,
repete ele hoje, às gargalhadas. “Claro, não acreditei. Como era
possível eu, médico, nunca ter percebido minhas paradas respiratórias, e
ela, uma leiga, fazer um diagnóstico? Só podia ser implicância com o
meu ronco, que eu imaginava normal.”
Em 2001, em Londres, na primeira noite que o casal passou na casa de
amigos, a anfitriã, que é pneumologista, confirmou o “diagnóstico” de
Vera: “O barulho do seu ronco é suficiente para acordar um bairro. Você
tem apneia obstrutiva do sono. Chegando ao Brasil, vá fazer uma
polissonografia”.
Foi seu primeiro compromisso ao retornar a São Paulo. O exame é feito
enquanto a pessoa dorme e monitora os estágios do sono, a respiração a
oxigenação do sangue, entre outros parâmetros. Assim, com fios
conectados em vários pontos do corpo, ele passou a noite no Laboratório
do Sono do Instituto do Coração de São Paulo (Incor-SP). “Não tenho
nada, não é?”, perguntou quando acordou ao técnico que fazia o exame. A
resposta foi na lata. “É a apneia mais grave que eu já vi. O senhor para
de respirar a cada um minuto e meio.”
Maurício saiu do hospital com um aparelho chamado CPAP (Continuous Positive Airway Pressure ou, em português, pressão
positiva contínua em vias aéreas), que ele utiliza para dormir: uma
máscara no nariz é conectada a um gerador de pressão contínua, que joga
ar nas vias aéreas superiores e impede que a garganta se feche,
eliminando as paradas respiratórias. Na primeira semana, Maurício dormiu
12 horas por noite.
“Eu tinha uma sonolência diurna muito forte e não sabia por quê”,
relembra o médico, dando o braço a torcer à esposa. “Minha vida mudou
completamente. Se tivesse ouvido a Vera, provavelmente não teria dormido
em palestras de colegas, nem ela teria usado protetores auditivos para
se proteger dos meus serrotes.”
PARADA RESPIRATÓRIA E RISCOS
Em se tratando de ronco, Maurício Rocha e Silva é a regra. Quem ronca
não tem consciência do próprio ronco, que é sempre relatado por
terceiros. “O ronco acontece, porque durante o sono a musculatura da
faringe [garganta] relaxa, dificultando a passagem de ar quando se
respira. Essa obstrução leva ao ronco”, ensina o médico e especialista
do sono Geraldo Lorenzi Filho, no capítulo Sono - Questão de vida ou ... , do livro “Saúde — A hora é Agora”. Lorenzi é professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Laboratório do Sono do Incor-SP.
O ronco é gerado pela vibração das paredes da garganta. Roncar de vez
em quando e não muito alto não é “um crime”. Você pode roncar, por
exemplo, quando: 1) usa bebida alcoólica ou sedativos - eles promovem maior relaxamento da musculatura; 2) está na fase REM do sono - aqui existe um grande relaxamento da musculatura; 3) o nariz está entupido.
Além disso, existe gente que ronca sempre que está de barriga para
cima, porque a força da gravidade contribui para o fechamento da
garganta. Por isso, se você vive ganhando cotoveladas à noite, cuidado. É
um sinal de alerta: significa que a sua garganta tem grande tendência a
se fechar durante o sono. Nesses casos, perder um pouco de peso e
acostumar-se a dormir de lado podem ser a solução.
Mas vamos em frente, isso é só o começo. Existem roncos e roncos. O
sinal vermelho surge quando o ronco tem as seguintes características:
* É muito alto, a ponto de incomodar quem dorme no mesmo quarto (muitas vezes até o vizinho de quarto!).
* Ocorre todas as noites.
* É irregular, com momentos em que desaparece totalmente, ressurgindo alto. Cuidado! Pode ser sinal de uma parada respiratória.
É a apneia obstrutiva do sono: a significa ausência e pneia,
respiração. Portanto, apneia é ausência de respiração. Nesse caso, há
fechamento completo da garganta (faringe), a pessoa tenta respirar, mas
não consegue: é o momento em que o ronco desaparece. O bloqueio da
garganta só termina com um pequeno despertar, quando o tônus da
musculatura se restabelece e a pessoa volta a respirar. Cada despertar
desses dura apenas alguns segundos e, na grande maioria das vezes, a
pessoa não tem consciência do processo. Ela volta imediatamente a
dormir, e o processo se repete. Às vezes, nem para de respirar
totalmente, mas seu fluxo de respiração diminui muito. Aí, tem de
acordar para respirar direito. É a hipopneia.
Dependendo do número de apneias (paradas respiratórias) e de
hipopneias (redução importante da respiração) por hora de sono, a doença
pode ser leve (5 a 15 eventos), moderada (16 a 30) e grave (mais de 30
paradas respiratórias por hora de sono). O professor Maurício Rocha e
Silva tinha – pasme! – fazia 40 paradas respiratórias por hora de sono.
“A pessoa com apneia obstrutiva dorme, dorme, dorme, mas o sono é
fragmentado e não repousante, já que ela desperta centenas de vezes por
noite”, esclarece Lorenzi. A consequência óbvia é a sonolência diurna,
pois ela não passa por todas as fases do sono. Como essa história se
repete noite após noite, pode ter conseqüências devastadoras para a
saúde e a vida pessoal, profissional e social. Além de contribuir para a
perda de memória, diminuição da concentração e sonolência diurna, a
apneia obstrutiva do sono aumenta o risco de o seu portador ter
depressão, pressão alta, acidente vascular cerebral (derrame), infarto
do miocárdio e impotência sexual.
EMAGRECER AJUDA MUITO
Prótese dentária para ser colocada à noite para dormir (casos leves a
moderados), cirurgia, CPAP (tratamento de escolha para casos moderados a
graves) e perda de peso são os tratamentos disponíveis para a apneia
obstrutiva do sono.
“Emagrecer é sempre ótima ideia. A gente não engorda só por fora, por
dentro também; a garganta fica mais estreita, dificultando a passagem
de ar”, adverte Lorenzi. “Setenta por cento dos portadores de apneia têm
obesidade ou sobrepeso. Daí perder peso ajuda muito; em alguns casos
pode resolver.”
Outra medida que pode ajudar alguns é dormir de lado, nunca de
barriga para baixo (prejudica a coluna vertebral) nem de barriga para
cima (faz a língua cair para trás e roncar mais). Costure uma bolinha
nas costas do seu pijama ou camisola. Assim, aprenderá a dormir de lado.
No mínimo, a sua coluna se sentirá melhor.
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