Maurício Bagnato é médico, ex-presidente e atual
 secretário da Sociedade Paulista de Medicina do Sono e trabalha no 
Laboratório do Sono do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Sono da 
UNIFESP, a Escola Paulista de Medicina.
Você dorme bem? É daqueles que basta encostar a cabeça no travesseiro
 para pegar no sono, ou briga com ele antes de dormir? Ou ainda, o que é
 pior, deita e dorme maravilhosamente bem, mas duas ou três horas depois
 acorda e é aquele inferno: rola na cama e não consegue pegar no sono 
outra vez.
Embora insônia seja a queixa mais frequente dos 
portadores de distúrbios do sono, num primeiro momento o ronco e a 
apneia costumam ser notados mais pelo parceiro que divide o mesmo quarto
 do que pelo paciente. No entanto, grandes roncadores e apneicos podem 
desenvolver alguns problemas de saúde que requerem atenção e tratamento 
especializado.
DISTÚRBIOS DO SONO: INSÔNIA, RONCO E APNEIA
Drauzio – Do que se queixam as pessoas que têm distúrbios do sono?
Mauricio Bagnato –
 Insônia é a queixa mais frequente dos portadores de distúrbios do sono.
 Estatísticas demonstram que de 30% a 40% dos indivíduos, em alguma fase
 da vida, sofrerão de insônia, ou seja, experimentarão dificuldade para 
pegar no sono ou para voltar a dormir se acordarem no meio da madrugada.
A
 segunda maior queixa, a mais enfatizada pelas pesquisas, refere-se aos 
distúrbios respiratórios do sono especialmente ao ronco e, 
pesquisando-se mais a fundo, à apneia que dele decorre.
Drauzio – O que é apneia?
Mauricio Bagnato
 – Apneia é uma parada momentânea da respiração. É muito comum quem 
dorme ao lado de alguém que ronca muito relatar o fato de a pessoa, de 
repente, parar de respirar e acordar num sobressalto. Esse susto é a 
resposta do sistema nervoso central diante da falta de oxigenação do 
cérebro, que tenta defender o organismo dessa hipoxemia.
Nem
 todas as pessoas que roncam têm apneia. Existe uma síndrome 
intermediária que distingue a pessoa que ronca muito daquelas que, além 
de roncarem muito, fazem pausas respiratórias (apneias). No entanto, 
segundo indicam estatísticas americanas, a apneia ocorre mais 
frequentemente nas pessoas obesas que roncam. No Brasil, não há estudos 
sistemáticos a respeito do assunto. Considerando-se, porém, os dados 
colhidos nos Estados Unidos, parece não haver discordância de que a 
obesidade seja um fator de risco para a fragmentação do sono provocada 
pelo ronco intenso que pode evoluir para apneia.
PRINCIPAIS CAUSAS DA APNEIA
Drauzio – A ausência de respiração, melhor dizendo, a apneia do sono está sempre associada ao ronco?
Mauricio Bagnato –
 Geralmente, os grandes roncadores tendem a desenvolver apneia. Nem 
sempre, porém, isso só acontece com as pessoas obesas. Às vezes, 
característica anatômicas da mandíbula e do queixo podem determinar a 
apneia. O músculo que se localiza na parte posterior do queixo fica 
preso na língua. Queixos recuados puxam a base da língua para trás, o 
que dificulta a passagem do ar e pode causar apneia. Agora, se além de 
portadora dessa desarmonia craniofacial a pessoa for obesa, o risco de 
desenvolver apneia aumenta bastante. Mesmo assim, hoje é raro indicar 
cirurgia para corrigir a posição da mandíbula ou da maxila.
A apneia pode ser provocada também pela redução do calibre da faringe,
 quando a pessoa é obrigada a respirar pela boca, porque o nariz entope 
muito à noite, ou quando a faringe relaxa mais sob a ação da bebida 
alcoólica ingerida depois do entardecer.
É importante
 citar, ainda, outros fatores de risco para a manifestação da apneia, 
entre eles, o hipotireoidismo, certos hormônios e o refluxo 
gastroesofágico.
RISCOS ASSOCIADOS À APNEIA
Drauzio – A que riscos estão expostos os apneicos?
Mauricio Bagnato –
 Não é só o cérebro que se ressente com a falta de oxigenação. Todas as 
células do organismo sofrem o efeito nocivo da hipoxemia. Não seria 
exagero afirmar que corpo inteiro se ressente e envelhece mais depressa.
A
 médio prazo, porém, as implicações cardíacas representam preocupação 
maior. O coração é um grande consumidor de oxigênio. Se a oferta 
diminui, ele padece. Muitos apneicos morrem de arritmia, infarto ou 
acidentes vasculares cerebrais. Além disso, certas doenças que só se 
manifestariam na velhice, como o mal de Parkinson, por exemplo, aparecem
 precocemente nos apneicos.
Embora os resultados 
ainda não sejam conclusivos, pesquisas indicam  serem cumulativos os 
efeitos das noites mal dormidas e da apneia. Trabalho de campo que 
realizamos em São Paulo, com mil pacientes oriundos de todas as camadas 
sociais e regiões da cidade, revelou um fato intrigante: o número de  
grandes roncadores e apneicos baixa sensivelmente na  velhice. É claro 
que, com a idade, a pessoa tende a ter um pouco de apneia, mas o 
roncador idoso desapareceu. Não dispomos de elementos, ainda, para saber
 se esses pacientes melhoram com o passar dos anos, ou se morrem mais 
cedo. Todavia, alguns estudos iniciados na Itália, há mais de 30 anos, 
fazem crer que o roncador, mesmo sem ser obeso nem apresentar apneia, 
tende a tornar-se hipertenso e a morrer mais moço.
SINAIS DE ALERTA
Drauzio – Diante dessa nova visão, o ronco passou a ser encarado como um problema sério na vida de muitas pessoas?
Mauricio Bagnato
 – Atualmente, sono e ronco são vistos sob ótica científica e merecem 
atenção especial as pessoas em que a apneia é menos evidente, não 
chegando sequer a ser notada pela família.
 A faringe
 de todos os seres humanos relaxa um pouquinho durante o sono. O pescoço
 mais grosso dos homens e a falta da proteção hormonal sobre o tônus 
muscular com que contam as mulheres antes da menopausa, acentuam essa 
flacidez. Por isso, enquanto moços, os homens roncam mais. Depois da 
menopausa, essa vantagem feminina quase desaparece. O estudo feito em 
São Paulo demonstrou que, até os 40 anos, ronco e apneia são queixas 
típicas dos homens. Depois dessa idade, o problema atinge os dois sexos 
quase na mesma proporção.
Drauzio – Quando as pessoas que roncam devem procurar o médico para avaliação e tratamento?
Mauricio Bagnato –
 Certas posições, como dormir de barriga para cima, favorecem o 
ressonar. O ronco, porém, é resultado da resistência das vias aéreas à 
passagem do ar. Nesse caso, é necessário fazer muita força para respirar
 à noite durante o sono. Sem mencionar os efeitos deletérios da apneia, o
 excesso de esforço faz com que o sono seja mais superficial e 
fragmentado. Por isso, no dia seguinte, as pessoas estão sonolentas, 
irritadas, pouco produtivas, com a memória comprometida e a área 
cognitiva afetada. Ressonar, portanto, todos ressonamos em algum momento
 e não há motivo para  preocupações. No entanto, havendo queixa de ronco
 forte, é indispensável pesquisar as causas para afastar os riscos a que
 estão expostos esses pacientes.
POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO
Drauzio – Qual o tratamento indicado para tirar o paciente do grupo de risco? 
Mauricio Bagnato –
 Se o problema tiver como causa a obesidade, o ideal é a pessoa 
emagrecer. É fácil falar “você tem de emagrecer”, virar as costas e 
fim-de-papo. Não raro essa pessoa precisa da orientação de um 
endocrinologista para conseguir perder peso.
Felizmente,
 existem alguns tratamentos paliativos para o ronco e a apneia que podem
 trazer resultados satisfatórios. Podemos ensinar, por exemplo, o 
paciente a dormir de lado. Como? Geralmente, mandamos costurar, na parte
 de trás de uma camiseta, um bolso em que caiba uma bolinha de tênis ou 
de isopor, alguma coisa que incomode e não machuque, mas ajude a 
adquirir o hábito de dormir de lado.  Podemos, também, indicar uma 
pequena máscara nasal cuja função é manter a faringe mais aberta para o 
ar fluir melhor. Restabelecida a oxigenação normal, o sono volta a ficar
 profundo e sem fragmentação e, consequentemente, a pessoa passa a 
descansar melhor.
Drauzio – Que tamanho têm essas máscaras?
Mauricio Bagnato – As
 máscaras nasais estão cada vez menores e mais silenciosas. Atualmente 
são pequenas, com um caninho na parte superior ligado a um aparelho que 
gera pressão positiva. Embora a proposta seja usar as máscaras por tempo
 determinado, apenas enquanto o paciente emagrece, muitos se sentem tão 
bem que relutam em abandoná-las, uma vez que dormir melhor à noite 
garantiu-lhes mais  disposição e melhor qualidade de vida.
 MUDANÇAS NA DINÂMICA DE VIDA
Drauzio – O homem moderno está mais sujeito aos distúrbios do sono que seus antepassados?
Mauricio Bagnato –
 O ser humano não foi concebido para ser obeso, ter mandíbula pequena e 
viver em locais poluídos. Atualmente, nosso corpo está arcando com as 
consequências de uma civilização, dita moderna, que valorizou 
comportamentos prejudiciais ao próprio homem. Os índios, por exemplo, em
 seu habitat natural, com pouco ou nenhum contato com os 
brancos, mamam mais tempo nas mães, têm adenoides e amídalas menores, 
não são obesos, roncam menos, apresentam menos problemas alérgicos e não
 se queixam de distúrbios do sono.
Já os habitantes 
de cidades poluídas, como São Paulo, demonstram maior predisposição a 
alergias, rinites e entupimento do nariz. Pode-se supor até que, se as 
crianças das cidades fossem amamentadas mais tempo pelas mães, o 
desenvolvimento da maxila, da mandíbula e da musculatura da região seria
 mais equilibrado e harmônico, o que teoricamente reduziria as condições
 de crescimento anormal das adenoides, das amídalas e da arcada 
superior.
Mais magros, menos expostos a alergias, 
amamentados pelas mães, respirando ar puro, os homens estariam menos 
sujeitos aos distúrbios do sono. Quando digo que certas conquistas 
modernas trouxeram desvantagens, cito o exemplo da energia elétrica que 
alterou nosso ritmo biológico. Antes dela, acompanhávamos os ciclos 
geofísicos de claro e escuro. A escuridão noturna era sinônimo de 
recolhimento, descanso e sono. A eletricidade, porém, tornou possível 
prolongar a luz do dia e encurtar as noites. Ficamos acordados até tarde
 absorvidos pelas mais diversas atividades. O resultado é que dormimos 
pouco e fora de hora.
ORIENTAÇÕES PARA DORMIR BEM
Drauzio
 – Que conselho você dá às pessoas que se deitam e dormem, mas acordam 
no meio da madrugada e não conseguem dormir novamente?
Mauricio Bagnato –
 Todos conhecemos pessoas que só dormem sob efeito de medicação e, assim
 mesmo, não têm um sono repousante, porque criam tolerância aos 
remédios. Migram de médico em médico em busca de alívio, mas pouco 
conseguem.
Em vista disso, nos últimos congressos, 
destacou-se a importância de lidar com a parte comportamental da 
insônia. A tendência atual é recorrer a acompanhamentos psicológicos, 
pois há pessoas que dormem mal, porque são ansiosas ou depressivas. 
Então, basta colocarem a cabeça sobre o travesseiro, para começarem a 
remoer os problemas para os quais não vislumbraram solução durante o 
dia. Com isso, sua estrutura do sono ficou danificada e a qualidade de 
vida, comprometida.
Além dessa possibilidade de tratamento, existem alguns hábitos que, se desenvolvidos, podem ajudar a dormir melhor.
Primeiro:
 a cama foi feita para dormir e para a relação sexual, que é relaxante, 
sem dúvida. Muita gente, no entanto, come na cama e assiste à televisão 
deitado. Há quem defenda, até, que ver tevê ajuda a dormir. Não ajuda. 
Você pode cochilar, mas não adormece profundamente. Vez ou outra 
desperta e procura recompor as cenas perdidas. Quando quiser assistir a 
um programa na tevê, fique na sala. Se o sono chegar, vá para o quarto, 
apague a luz, deite e durma.
Segundo: exercícios físicos vigorosos são estimulantes. Portanto, é contraindicado praticá-los à noite.
Terceiro:
 refeições próximas à hora de deitar podem provocar refluxos 
gastroesofágicos que atrapalham o sono. Procure evitá-las antes de ir 
para cama.
Drauzio – Café e refrigerantes também são contraindicados?
Mauricio Bagnato –
 Não só o café e os refrigerantes, principalmente as colas, mas o chá 
preto e o chá mate, que contêm cafeína também prejudicam o sono. Para se
 ter uma ideia, o tempo médio de permanência da cafeína no sangue é de 
oito horas. Brasileiro está acostumado a tomar café o dia todo. 
Consequentemente, os cafezinhos do fim da tarde e do começo noite 
deixarão resíduos no organismo que podem atrapalhar o sono na madrugada.
Drauzio – Tem gente que garante que o café não exerce efeito nenhum sobre a necessidade de sono. Como você explica isso?
Mauricio Bagnato –
 A sensibilidade muda muito de indivíduo para indivíduo. Nada garante, 
porém, que não haja prejuízos. Se não tivesse tomado café, provavelmente
 o sono seria mais profundo, mais consolidado, teoricamente com menos 
fragmentação. O mesmo ocorre com o álcool. Quantas pessoas afirmam que 
um drinque ajuda a induzir o sono. Apesar de alguns cientistas 
defenderem essa hipótese, na verdade, o álcool quebra a arquitetura 
normal do sono.
Recapitulando: evitar café, álcool e 
exercícios físicos puxados à noite e ir para a cama apenas na hora de 
dormir são pequenas dicas que somadas podem produzir efeitos razoáveis, 
desde que a pessoa não apresente problemas que exijam tratamento 
específico. É o caso, por exemplo, do paciente que, mal adormece, começa
 a roncar tão alto que desperta com o ruído do próprio ronco ou com  o 
esforço que faz para o ar vencer a resistência imposta pela faringe.
REFLEXOS CONJUGAIS
Drauzio – Como reage quem dorme ao lado de uma pessoa que ronca?
Mauricio Bagnato –
 Muita gente se gaba de conseguir dormir apesar do barulho, da 
claridade, ou do companheiro de cama que ronca. Se analisarmos, porém, a
 microestrutura do sono dessas pessoas, veremos que está alterada. É 
comum o marido ser roncador e a mulher insone, ou vice-versa. Brinco com
 esses pacientes que vou tratar dos dois pelo preço de um. No fundo, 
isso é verdade porque os distúrbios do sono, muitas vezes, são 
responsáveis pelos desencontros conjugais. O apneico pode ter uma falta 
de oxigenação tão importante que perde o interesse sexual. No dia 
seguinte, mais irritado porque dormiu mal, não consegue administrar o 
cotidiano, perde o emprego, fica doente. O parceiro, obrigado a 
transferir-se para outro quarto na esperança de uma noite de sono 
tranquilo, também fica insatisfeito e impaciente. É uma complexidade 
comportamental que deteriora o convívio. Já presenciei muitos casais 
esfacelados que se reestruturam quando o doente foi tratado.
Drauzio
 – Até pouco tempo, os barbitúricos representavam o tratamento indicado 
para os distúrbios do sono. O que pensam os especialistas sobre o 
assunto no momento?
Mauricio Bagnato –
 Tanto as drogas mais antigas, como os diazepínicos das décadas de 1950/
 1960, quanto as mais modernas causam dependência e tolerância. 
Portanto, o ideal é usá-las por um período curto. Atualmente, a conduta 
indicada pressupõe medidas comportamentais. O biofeedback, por exemplo, é uma técnica de relaxamento que parece ser promissora para o tratamento da insônia sem medicamentos.
No
 idoso que se queixa de insônia, é importante avaliar os níveis de 
melatonina, um hormônio cuja produção diminui com a idade. Ele pode 
estar dormindo menos, porque houve redução nos níveis desse hormônio em 
seu organismo. Nesse caso, é possível repô-lo em pequenas doses sob 
absoluto controle médico, ao contrário do que acontecia há três anos, 
quando era usado indiscriminadamente.
Sua indicação 
também é pertinente para regular o horário do sono, isto é, para 
adiantar ou atrasar a fase de sono. Imaginemos um paciente que durma 
muito tarde. Pode-se tentar antecipar sua hora de dormir com melatonina 
ou com exposição à luz visto que nosso ciclo geofísico muda conforme a 
latitude. Na Finlândia, como se sabe, o foto-período é menor; no 
Equador, é maior, o dia é mais longo. Isso pode interferir no sono e 
provocar depressão em algumas pessoas. Nessas situações, a melatonina 
pode ser um recurso útil para acertar o relógio biológico das pessoas.
MOVIMENTO PERIÓDICO DO MEMBRO INFERIOR (PLM)
Drauzio
 – Há diagnóstico específico para as pessoas que mexem as pernas 
enquanto dormem, como se estivessem chutando um alvo imaginário?
Mauricio Bagnato –
 Em geral, essas pessoas são portadoras de uma doença pouco 
diagnosticada, mas muito mais frequente do que se imagina. Seu principal
 sintoma é o movimento involuntário dos membros inferiores. Os primeiros
 a percebê-lo, em geral, são os que dormem ao lado do paciente. “Meu marido mexe a perna a noite inteira, ciclicamente. Ele encolhe a perna, estica, volta a encolher”,
 observava uma mulher, outro dia, no consultório. Na verdade, cada um 
desses movimentos de perna pode estar atrelado a um microdespertar e, 
numa única noite, podem ocorrer até 800 deles. No dia seguinte, embora 
digam ter dormido bem, essas pessoas estão sonolentas, sem disposição, 
pois é impossível não sentir os efeitos de tantos microdespertares. 
Quando a doença está num estágio mais avançado, os sintomas aparecem 
também durante o dia. A pessoa está sentada, conversando, e as pernas 
estão inquietas, encolhendo e esticando, esticando e encolhendo.